Em um mundo fantástico padrão, havia muitas criaturas mágicas, como já é de se esperar. Essas criaturas se dividiam em reinos, e viviam em plena harmonia, com uma ou outra guerrinha ocasional. Entre as várias espécies, estavam os humanos, as fadas e os imponentes e convencidos dragões.
Ninguém gostava dos dragões.
Os dragões eram arrogantes, preconceituosos e não se misturavam, por se acharem superiores – Tanto que fizeram seu reino nas nuvens.
Mas nossa história, por enquanto, não vai tratar desses dragões soberbos. Não, comecemos um pouco mais embaixo.
***
– Argh! – Anllye, a filha caçula do rei das fadas, resmungava no grande sofá do escritório com as pernas jogadas pelo encosto. Seu irmão mais velho, Crolse, estava de costas para ela sentado em frente a uma mesa cheia de papéis tentando se concentrar em seu trabalho. Não recebendo a atenção que queria, Anllye repetiu um pouco mais alto: – Argh!
Crolse escutou, mas continuava ignorando a irmã. Talvez se eu imaginar com muita força que ela não está aqui, ela realmente não esteja… Pensou o príncipe herdeiro.
Não deu certo. Anllye continuava no escritório, agora jogando os braços pelos ombros de seu irmão e resmungando ainda mais alto em seu ouvido: – ARGH!
– Ah, ok. – O príncipe das fadas abaixou a cabeça e esfregou os olhos com o polegar e o indicador para espantar o sono, desejando, por um momento, ser filho único de novo. Removeu os braços de sua irmãzinha de seus ombros e tirou, literalmente, o peso de suas costas. Virou-se para ela e forçou um sorriso terno para a fada adolescente emburrada. – O que foi agora, An? Eu estou ocupado.
– Estou entediada de novo. – Anllye revirou os olhos e cruzou os braços, frustrada com a pergunta de Crolse. Como seu irmão favorito não entendia sua situação? Inacreditável.
– An, eu estou realmente ocupado hoje. – Crolse, claramente exausto, sorri de novo e carinhosamente acaricia o topo dos cachos dourados da irmã, da mesma cor que os cabelos dele.
– Você está sempre ocupado! Deixa esses papéis pra lá, vamos cuidar do jardim juntos! Você prometeu que iria comigo. – Anllye bate o pé, fazendo beicinho. O beicinho é uma técnica infalível! Pensou a jovem fada.
Mas não era. Na verdade, Anllye costumava fazer beicinho após levar as fadas ao limite de sua paciência, então, como já não tinham mais força de vontade para discutir, decidiam fazer a vontade da princesa quando percebiam que ela não pararia de falar. Anllye vencia pelo cansaço.
Crolse suspirou, seus olhos verdes e cansados estavam destacados pelas olheiras profundas em seu rosto belo e angelical de fada. Seus ombros estavam caídos e tudo nele gritava socorro, mas Anllye ignorou todos os sinais.
– Eu prometi, sim, mas não disse que era hoje. Por que não brinca com a Jaennia e o Ghye? – Por favor, vá incomodá-los, Crolse pensou, com um sorrisinho, piscando lentamente um olho de cada vez. Anllye sacudiu a cabeça, negando veementemente.
– Você é o irmão mais legal que eu tenho, meu favorito, se não for com você eu não quero. – Anllye batera o pé no chão de forma infantil. – Se você não vai, então eu não vou sair daqui!
A expressão de Crolse mudou, Anllye conseguiu irritar a fada mais mansa e gentil do mundo. Agora o príncipe é quem estava emburrado.
– Anllye. – Sua voz agora era autoritária, nada doce como antes. – Eu já falei que estou ocupado, eu preciso trabalhar. Você já tem cento e dezessete anos, não é mais uma criança, pare com isso. Se você quiser brincar no jardim, chame a Nini ou o Ghye, deixe o papai e eu em paz, temos trabalho a fazer. – Crolse se levantou e empurrou a uma Anllye chocada para fora do escritório, fechando a porta atrás dela. Ela ficou parada alguns segundos e, quando caiu em si, não pôde deixar de pensar, com um leve sorriso, que seu irmão seria um grande rei um dia.
***
A princesa Anllye decidiu ir atrás de sua próxima vítima, sua segunda irmã favorita, Jaennia. Jaennia, ou Nini, como gostavam de chamá-la era legal, segundo Anllye, mas tão alheia a tudo e esquecida, que Anllye preferia deixar sua companhia como segunda opção.
Ouvira dos criados que Nini estava na biblioteca do palácio. Anllye entrou no cômodo enorme e majestoso e procurou sua irmã entre as vastas prateleiras. Encontrou a belíssima fada da lua caída debaixo de uma pilha de livros.
– Jaennia! Você está bem? – Anllye ajudou-a a levantar, verificando se estava machucada. A princesa mais velha riu e acenou afirmativa. Quando Anllye perguntou como ela foi parar ali, Nini começou a explicar que subiu a escada móvel para pegar um livro, mas se distraiu com uma partícula de poeira flutuando ao seu lado, e acabou caindo e derrubando os livros sobre si. Típico da Nini… Pensou Anllye.
Qual será o gosto de um livro? Pensou Jaennia. E então lembrou que sua irmã caçula estava ao seu lado.
– An, minha amada irmãzinha! O que a trás aqui? Você nunca vem para a biblioteca, não gosta de ler… Ah, já sei, você conseguiu irritar o pobre Crolse e ele te mandou pra cá. – Jaennia sorriu inocentemente. Anllye ficou vermelha e fez um bico, disfarçando.
– É claro que não! – Mentiu, sem olhar nos olhos azuis de Nini. – É que você é a irmã mais legal que eu tenho, e definitivamente é a minha favorita. Só quero saber se você quer ir comigo, brincar com os Orcs malvados que ultrapassam as fronteiras.
– Ah, é sempre divertido bater nos Orcs com varas… – Nini sorri, segurando o queixo e olhando para o nada em algum lugar perto do teto. Ela permaneceu pensativa por alguns minutos piscando lentamente. Seus cílios brancos — assim como seus cabelos e sobrancelhas — batendo como asas de borboleta. Anllye estava inquieta e cheia de expectativa, esperando a resposta.
– Ah, olá, Anllye! Esqueci que estava aqui. Estávamos conversando sobre algo importante? – Nini sorri para Anllye, perguntando sinceramente. Decepcionada, porém nem um pouco surpresa, a jovem princesa das fadas negou e se despediu da irmã. Ao chegar na porta da biblioteca, Nini a chamou novamente.
– Espere, Anllye! – Jaennia correra até a irmã caçula. – Eu me lembrei agora!
O rosto de Anllye se iluminou com um sorriso.
– Não posso brincar com você, tenho que estudar e organizar a biblioteca. Mas você pode pedir ao Ghye, ele com certeza não tem nada para fazer! Tchau!
O rosto de Anllye se escureceu com uma carranca.
Já tinha recebido duas portas na cara de seus irmãos, estava sendo um péssimo dia e ainda nem era a hora do almoço. Mas pelo menos Ghye não a rejeitaria, não é? Afinal, ele nunca fazia nada mesmo…
– Não me incomode hoje, baixinha. – Ghye bateu a porta após aparecer numa fresta para falar com a irmã caçula.
– O quê? Por quê? – Anllye questionou, exasperada, empurrando a porta do quarto de seu terceiro irmão. O quarto era todo preto, assim como seu cabelo que caía com uma franja tapando o olho azul esquerdo, parece um poço de escuridão, comparado ao resto do palácio iluminado pela luz do sol. Ghye parecia tão entediado quanto Anllye.
– Hoje decidi que ficaria no meu quarto o dia todo.
– Bem, nada que você já não faça todos os dias. – Anllye revirou os olhos para seu irmão, colocando as mãos nos quadris.
– Mas dessa vez é diferente! Eu decidi que vou bater meu recorde. – Explicou o príncipe com sua voz monótona. Anllye demorou alguns segundos para entender que aquele tom de voz era para parecer entusiasmado.
– Sei que vou me arrepender de perguntar, mas… Que recorde? – Anllye coçou a cabeça, com uma expressão cética. Ghye ameaçou esboçar um sorriso — ao menos era o que parecia, na escuridão que era aquele quarto.
– O de passar mais tempo chorando na cama ininterruptamente! Eu já bati três vezes meu próprio tempo e, se você parar de me atrapalhar, vou conseguir de novo.
– Argh! Pelo amor de Deus, que idiotice! Vamos, Ghye, vamos sair um pouco, eu não estou enxergando direito aqui dentro.
– Me deixe em paz, Anllye! E eu sei que você só veio atrás de mim porque Nini e Crolse estão ocupados. – O jovem príncipe emo soprou o cabelo caído sobre o olho.
– Não é verdade, eu vim por que queria passar um tempo com meu irmão favorito, que é de longe o mais legal…
– Nem você acredita nessa mentira. – Ghye revirou os olhos e cruzou os braços. Anllye, suspirando, balança a cabeça de um lado para o outro afirmativamente.
– Realmente, acho que com essa eu não engano ninguém. Mas por favor, irmão, vamos…
– Não. – Ghye, assim como Crolse, empurrou Anllye para fora.
– Por favorzinho!
– Adeus! – O príncipe fada emo bateu a porta com força.
Anllye ficara sozinha do lado de fora, irritada com tudo e todos. Já chega! Vou tomar uma atitude! Pensou. Vou contar para o papai!
